ESPECIAL ABCP: As ações do Tocantins no enfrentamento à pandemia

Este é o décimo segundo texto da 3ª edição do especial “Os governos estaduais e as ações de enfrentamento à pandemia no Brasil”, publicado entre os dias 13 e 17 de julho na página da ABCP. Acompanhe!

Este é o décimo segundo texto da 3ª edição do especial “Os governos estaduais e as ações de enfrentamento à pandemia no Brasil”, publicado entre os dias 13 e 17 de julho na página da ABCP. Acompanhe!

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Tocantins epidêmico: genocídio iminente

Nome dos autores: André Demarchi e Marcelo de Souza Cleto

Instituição à qual os autores estão vinculados(as): Universidade Federal do Tocantins

Titulação dos autores e instituição em que a obtiveram: (André): Doutor em Antropologia pela UFRJ. Docente do Bacharelado em Ciências Sociais e do Programa de Pós-graduação em Comunicação e Sociedade; (Marcelo): Doutor em Filosofia pela PUC-SP. Docente do Bacharelado em Ciências Sociais e do Programa de Pós-graduação em Gestão de Políticas Públicas.

Região: Norte

Governador (Partido): Mauro Carlesse (DEM)

População: 1.572.866

Número de municípios: 139

Casos confirmados em 13/07/202015.307

Óbitos confirmados em 13/07/2020259

Casos por 100 mil hab.: 854,49

Óbitos por 100 mil hab.: 17,0


* Por: André Demarchi e Marcelo de Souza Cleto

O trajeto da Covid-19 no Tocantins em junho de 2020 foi antecedido por um mês de maio no qual o alastramento da pandemia transcendeu o vetor principal do vírus no estado, a BR 153, atingindo agora territórios indígenas e se alastrando para quase todos os municípios do Estado, além de chegar ao sistema prisional.

Por ser o canal de escoamento das commodities e dos grãos, a BR 153 é a principal via do Tocantins e é encarada cotidianamente por milhares de pessoas trabalhadoras que mantém sua trafegabilidade, bem como pelos milhões de usuários que nela se locomovem.

As condições de vida, impostas pelo mundo do trabalho a caminhoneiros e sua rede de assistência, e as precariedades das cidades e povoados que margeiam o asfalto foram o ambiente mais que favorável para a chegada e interiorização viral, contribuindo para que o norte do Tocantins se consolidasse como o epicentro da doença.

No mês de junho, se verifica um relaxamento no controle do distanciamento social, coincidindo com a reabertura dos estabelecimentos comerciais nos municípios.

Atualmente, 129 das 139 cidades do estado possuem casos confirmados da doença, reverberando para todas as instâncias e camadas sociais. Um dos efeitos pode ser identificado no sistema penitenciário, que possui 38 unidades prisionais distribuídas em todas as regiões.

No dia 27 de junho, a imprensa local [1] publicou uma reportagem relatando um surto de Covid-19 na Cadeia Pública de Augustinópolis, que fica na região norte do estado com 66 apenados e 4 servidores testados positivo. O vírus também foi identificado na Casa de Prisão Provisória de Guaraí, na região centro-sul do estado, com 19 apenados e 2 servidores positivados.

Outro foco preocupante da contaminação no mês de junho foi a chegada do vírus nas terras indígenas presentes no Estado, já alcançando três povos: Xerente, Javaé e Apinajé e totalizando 216 casos, um aumento exponencial se comparado ao fato de que em fins de maio não havia nenhum registro do vírus entre os povos indígenas do Estado.

Entre o povo Xerente já foram contabilizados 46 casos, sendo que em 08 de julho eram apenas 19 confirmações. Também entre os Xerente foi registrada a morte por Covid-19 do ancião João Sõzé, uma referência nos conhecimentos tradicionais desse povo. A situação está crítica também entre os Javaé, habitantes da Ilha do bananal. Em 07 de julho, havia 65 casos confirmados.

No dia 13 do mesmo mês foram constatados 103 casos a mais, chegando ao total de 168 indígenas desse povo contaminados pela doença. Também entre os Javaé foi registrada a morte do cacique Juraci Wasari Javaé. Essa grave situação aponta para a triste possibilidade de um iminente genocídio da população indígena do Estado. 

Edição 2 - Junho de 2020

Além de ter que lidar com a pandemia em suas aldeias, os indígenas têm denunciado casos de racismo por parte das prefeituras e secretarias municipais de saúde, além de certa ineficiência do Ministério Público em investigar as situações denunciadas.

Na cidade de Formoso do Araguaia, que faz divisa com as aldeias Javaé, a Secretaria de Saúde tomou a medida problemática de criar uma “barreira racial” impedindo a circulação de indígenas pela cidade [2]. Além disso, áudios de médicos do hospital da cidade foram publicados na imprensa demonstrando a total falta de estrutura hospitalar para lidar com a pandemia das aldeias [3].

Na cidade de Tocantínia, que faz fronteira com o território Xerente, lideranças denunciaram que indígenas contaminados foram colocados em isolamento em escolas da cidade, sem condições de recebê-los adequadamente, bem como práticas de racismo por parte da população não indígena [4]. Esses exemplos demonstram a dificuldade das prefeituras e do poder público em lidar com a diferença cultural, evidenciando tensões históricas entre as populações indígenas e não indígenas nas cidades que circundam os territórios dos povos originários.

Segundo o Centro de Informações Estratégicas de Vigilância em Saúde, em 13 de julho, o número de pacientes hospitalizados em unidades públicas e privadas no estado era de 180 pessoas: 104 em leitos públicos, sendo 38 em Unidade de Terapia Intensiva; e 76 em leitos privados, sendo 29 em UTI.

O Hospital Regional de Araguaína atravessa neste momento uma taxa de ocupação dos leitos de UTI de 100% [5] e o comércio permanece aberto. Um levantamento do site G1 demonstra que a taxa de mortalidade subiu 67% nos últimos 30 dias e permanece em alta [6]. Essa situação é de emergência em saúde pública, e mais uma vez vemos a inanição das políticas públicas de combate à pandemia e a completa desarticulação entre as esferas estaduais e municipais. 

O mapa a seguir apresenta a taxa de crescimento dos casos de Covid-19 nos municípios do Estado na última semana de junho e na primeira semana de julho.

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Durante os 30 dias do mês de junho, o Laboratório Central de Saúde Pública do Tocantins (LACEN-TO) efetuou 10.077 testes que identificam a presença da Covid-19, destes, 3.627 foram positivos. Segundo o LACEN-TO, sua capacidade de testagem é de 700 testes por dia. Considerando que no mês de junho foram realizados em média 335 testes/dia, pode-se concluir que o laboratório opera em 50% de sua capacidade total.

É responsabilidade da gestão pública colocar em prática uma operação de testagem ampla; iniciando pelos trabalhadores da saúde e da segurança, parentes de pessoas positivas, populações indígenas e quilombolas, apenados, ampliando gradativamente para o restante da população. Concomitante à testagem ampla, é fundamental uma estratégia inteligente de mapeamento e rastreamento dos casos, de modo a produzir conhecimento sobre o fenômeno.

A posse e o uso correto desse saber é a tática para o enfrentamento desta pandemia. A reconsideração da abertura dos estabelecimentos tendo em vista a possibilidade da transmissão do vírus por via aérea, tal como tem reconhecido a Organização Mundial da Saúde (OMS) [7], deve fazer parte da pauta dos gestores e dos comitês de gerenciamento da crise.

Por fim, esta análise da conjuntura, formada em série sob a coordenação de membros da Associação Brasileira de Ciência Política, mês a mês, ponderando dados e memorizando o movimento da pandemia bem como as respostas dos gestores a ela, se coloca como uma das fontes para ações futuras de responsabilização dos gestores públicos, nos três níveis de governança, municipal, estadual e federal. 

Referências bibliográficas:

[1] https://g1.globo.com/to/tocantins/noticia/2020/06/27/cadeia-do-tocantins-tem-surto-de-covid-19-com-70-confirmacoes-entre-presos-e-funcionarios.ghtml

[2] https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/07/para-combater-covid-19-cidade-de-to-monta-barreira-racial-contra-indios.shtml?pwgt=kyzfcy97zq62nxlv21afpambbhvfsudgxnksbsn4352leosi&utm_source=whatsapp&utm_medium=social&utm_campaign=compwagift

[3] https://www.jornaldotocantins.com.br/editorias/vida-urbana/m%C3%A9dicos-relatam-dilema-para-escolher-qual-ind%C3%ADgena-atender-em-formoso-vai-morrer-gente-na-porta-1.2083046

[4] https://gazetadocerrado.com.br/liderancas-repudiam-atitudes-preconceituosas-com-indigenas-recuperados-da-covid-noticias-do-tocantins/

[5] https://g1.globo.com/to/tocantins/noticia/2020/07/07/taxa-de-ocupacao-de-leitos-de-uti-no-hospital-regional-de-araguaina-chega-a-100percent.ghtml

[6] https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/07/13/casos-e-mortes-por-coronavirus-no-brasil-em-13-de-julho-segundo-consorcio-de-veiculos-de-imprensa.ghtml

[7] https://brasil.elpais.com/ciencia/2020-07-08/oms-reconhece-risco-de-transmissao-do-coronavirus-pelo-ar.html

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